Como já sabemos, o futebol, assim como na maioria dos esportes, é majoritariamente masculino. Aos poucos, e com muita luta, as mulheres estão conseguindo conquistar mais espaço para atuar, seja dentro de campo, na área técnica ou na imprensa.
No entanto, muitas outras, que ficam invisibilizadas para quem acompanha e trabalha com o futebol, estão nos bastidores fazendo o esporte acontecer. Com o cuidado, o amor e a dedicação, elas são partes do espetáculo que tanto esperamos para ver dentro de campo.
Neste dia 8 de março, momento em que lembramos a luta delas, você vai conhecer a história de quatro mulheres que representam essa força no futebol paraibano.
Veja a reportagem completa em vídeo:
Uma vida dedicada ao Treze
Há 33 anos, o Treze se tornou a segunda casa de Maria da Guia Faustino. Entre idas e vindas trabalhando em vários setores do clube, tais como a lavanderia e a cozinha, hoje, aos 72 anos, ela atua na parte da limpeza do clube.
A dedicação de Maria é apenas o reflexo do amor que ela tem pelo Alvinegro de Campina Grande. E ela não faz questão de esconder, com um sorriso no rosto, quando perguntada se sempre gostou de futebol.
“Eu sempre gostei do Treze (risos). Até meu cachorro é preto e branco. O Treze é tudo para mim, tanto que quando eu estou em casa e adoeço e não consigo vir, eu fico doidinha. Quando os meninos vão viajar para jogar, eu fico preocupada. Eu tenho um rádio e fico escutando o jogo. Quando eles perdem, eu fico triste. A minha primeira casa é lá na Catingueira e a segunda é aqui”, afirmou.
O amor de Maria da Guia não deixa de ser reconhecido por quem convive com ela no clube.
“Para mim, a pessoa sendo respeitada e sabendo trabalhar, tendo caráter, é a mesma coisa. Esses meninos me respeitam, me tratam como tia. Em 33 anos, sempre me respeitaram”, disse.
Para Maria, todos esses anos trabalhando no Treze ainda foram poucos. Se depender dela, ainda virão muitos anos pela frente.
“Por mim, eu fico toda a vida, mas tá na mão d’Ele (Deus). E eu confio no meu pai, que Ele vai dar o consentimento, a permissão, e eu vou trabalhar muitos anos aqui ainda, muito tempo. Que assim seja, meu Pai”, declarou.
Amor pelo que faz
Sivanilda Maria França está no Botafogo-PB há sete anos e trabalha como auxiliar de serviços gerais. Para ela, o futebol foi uma forma de conseguir estabilidade. Antes de ser contratada, ela fazia alguns serviços para a lavanderia, mas não era como um trabalho fixo. Naquela época, Sivanilda queria muito ter a oportunidade de ter a sua carteira assinada. Até que essa chance apareceu. Ela foi cobrir as férias de uma funcionária e, um mês depois, Silvia, como é carinhosamente chamada, foi efetivada.
A felicidade em ter um emprego se traduziu de outras formas. O sorriso no rosto ao contar o que o Botafogo-PB se tornou para ela não esconde o seu amor em ajudar a fazer que o clube seja a casa de todos.
“Eu fico muito feliz porque a gente procura fazer com que eles se sintam em casa, porque muitos moram aqui com a sua família, e nós fazemos de tudo para agradar a eles. Os meninos são maravilhosos, todos simples, de onde eles vieram, são pessoas muito agradáveis, tratam a gente muito bem, são muito legais. Eu me sinto muito feliz de estar aqui trabalhando, estou até hoje e amo”, disse Sivanilda.
Outra mulher que também faz parte do dia a dia do Botafogo-PB é Marcela Roberta. Ela está há pouco mais de um ano responsável pela preparação da alimentação de todos que fazem o clube.
Assim como sua amiga Silvia, Marcela criou uma relação de família com as pessoas que trabalham no Belo. Com os jogadores, a relação é ainda mais estreita. Porém, no começo, ela não sabia lidar com as idas e vindas do futebol.
“Logo que eu cheguei, mexeu com o coração, porque a gente se apega aos jogadores. Muitos deles iam embora quando terminava o contrato. A gente ficava meio triste, porque a gente trabalha na cozinha. Eles chamam a gente de tia. E tem o lado de sentimento também. Mas, depois, a gente se acostuma. Um vai embora e vem outro. Mas estamos tirando de letra”, contou a cozinheira.
Preparar as refeições e cuidar de toda a cozinha é mais do que um trabalho do cotidiano. Para Marcela, o seu trabalho também significa demonstração de afeto e de carinho pelo que faz.
“A gente tem que tentar dar o melhor, principalmente, com a alimentação, porque são pessoas que deixam os seus pais, sua cidade. Então, tentamos dar o melhor procurando fazer uma alimentação boa e balanceada, fazendo o máximo que a gente pode”, falou.
Pioneirismo na direção do Belo
Karla Alves não esconde o seu amor pelo Botafogo-PB. Seja nas redes sociais ou nas roupas que usa, ela faz questão de deixar em evidência o clube que tanto ama.
“Quem me conhece sabe que o Botafogo-PB é o meu amor. Eu sempre fico postando nas redes sociais o meu amor, o meu carinho pelo clube. É o lugar que eu mais gosto de estar, de frequentar, de viver. O Botafogo-PB está inserido no meu dia a dia, do meu acordar ao meu deitar, sempre com o intuito de fazer parte dessa família que eu tanto amo”, conta orgulhosa.
Esse amor que começou lá em 2017, quando Karla levava o seu filho para a Escolinha do Botafogo-PB. O que não passava pela sua cabeça era que, sete anos depois, ela estaria coordenando o projeto.
“Eu passei a vir não só por ele. Eu passei a vir por mim. Minha relação com a escolinha se tornou cada dia mais afetiva. A gente tinha um grupo de mães, onde a gente fazia festas nas datas comemorativas, principalmente, o dia das mães, onde a gente fazia futebol com vários times, só formados por mães. Então, cada vez mais eu fui criando amor por esse clube maravilhoso. Ao ponto de, depois da pandemia, quando houve o retorno das atividades esportivas, eu tive o privilégio de ser convidada para participar da diretoria do Botafogo-PB, como vice-presidente dos esportes amadores e coordenadora da escolinha de base”, contou.
Em 92 anos de história, Karla é a primeira e única mulher a ocupar um cargo diretivo no Botafogo-PB. Apesar de ser um passo muito importante e representativo, ela sabe que ainda é preciso pavimentar o caminho para que outras mulheres ocupem espaços no futebol.
“Nós, mulheres, estamos aqui para demonstrar que somos capazes no nosso dia a dia, com o nosso trabalho. Na Escolinha de Futebol do Botafogo-PB nós também recebemos meninas dos 6 aos 14 anos. Tem um fato muito interessante que eu pleiteei junto com a Secretaria de Esportes, Juventude e Lazer do Estado (Sejel), para que as meninas pudessem participar da Copa Raimundo Braga, que é uma competição de futebol masculino sub-15. E, desde o ano passado, as meninas tiveram a garantia desse direito”, explicou.
Desbravando espaços
Raquel Ataíde é a única mulher presente na comissão técnica do Botafogo-PB. A nutricionista chegou ao clube da Maravilha do Contorno em novembro do ano passado para compor o time da temporada de 2024. Apesar de pouco tempo no Belo, Raquel tem uma trajetória significativa no futebol. Já são pouco mais de sete anos dedicados ao cuidado da nutrição dos jogadores que defendem os clubes de João Pessoa.
A área da nutrição é predominantemente composta por mulheres. No entanto, esse cenário não se reflete na área esportiva. Raquel é uma das poucas nutricionistas que trabalham em clubes do futebol paraibano. Por isso, ela quer mostrar que, com trabalho, outras profissionais podem ocupar esse espaço.
“A nutrição esportiva é um meio em que as mulheres estão conseguindo fazer um trabalho. Eu me sinto representada porque é a experiência de a gente querer também mostrar que conseguimos, com muito estudo, desenvolver um belo trabalho dentro da nutrição esportiva”, disse.
Nossa reportagem entrou em contato com os dez clubes que disputam a primeira divisão do Campeonato Paraibano para saber quantas mulheres fazem parte da comissão técnica dos times.
Além do Botafogo-PB, dos clubes que nos responderam, apenas o Treze possui uma mulher atuando como nutricionista na comissão técnica do clube.
Setores onde as mulheres atuam nos clubes da Paraíba:
- Botafogo-PB: comissão técnica, escolinha de futebol, futebol feminino, cozinha, bilheteria;
- Campinense: administrativo;
- CSP: presidência, contabilidade e cozinha;
- Pombal: supervisão, departamento jurídico e auxiliar do alojamento;
- São Paulo Crystal: assessoria;
- Serra Branca: RH, cozinha, lavanderia;
- Sousa: bilheteria;
- Treze: comissão técnica, cozinha, serviços gerais e loja do clube.
*Atlético de Cajazeiras e Nacional de Patos não responderam à reportagem até o fechamento desta matéria.
Trabalhar com o futebol não é apenas uma fonte de renda para essas mulheres. Estar nesse ambiente significa lutar por representatividade, viver e amar o esporte.
“A gente está aqui para conquistar espaço. Com capacidade vamos mostrando que gostamos, que vivemos e que sofremos pelo futebol. Estamos lá torcendo pelos nossos meninos, torcendo pelo nosso clube. Então, a gente tem sim essa responsabilidade”, finalizou Raquel.