Sérgio Montenegro
Feitos Paralímpicos

Apresentador do Correio Esporte, da TV Correio; autor do livro "Feitos Paralímpicos"; e Mestre em Jornalismo pela UFPB.

Paradesporto na Paraíba: mais de 50 anos de história
6 de março de 2024

Tac-tac-tac, pá-pá-pá, tum-tum-tum…

Não sei qual seria a onomatopeia que representaria a batida de um tênis no chão durante uma corrida de rua. Mas não é o barulho de atletas correndo e passando em ritmo moderado a forte pelas ruas do bairro da Torre em João Pessoa. Esse era diferente. Tinha uma causa por trás dele: a inclusão social.

Para quem estava participando da prova nesse dia, um pouco a frente de cinco atletas e escutou essas batidas, não imaginaria o que estaria acontecendo. Poderia até pensar que seria um pelotão tentando alcançá-lo. Porém, eram cinco pessoas correndo praticamente na mesma velocidade.

Com certeza, esse atleta da frente estaria em um ritmo mais lento, claro, e por um motivo simples. Ao olhar para trás, ou ser ultrapassado por eles, ou até mesmo assistir aos cinco passando praticamente juntos, ele iria ver a seguinte cena: uma jovem estudante de medicina batendo com força o tênis na rua para quatro cegos ouvirem e assim seguirem os passos para completarem a corrida.

Isso aconteceu há pouco mais de 50 anos, no dia 15 de novembro de 1972 na Corrida de Rua da República, organizada pelo Colégio Santa Júlia.

Na frente, correndo lentamente e procurando fazer barulho em cada passada, Helena Holanda, e, atrás dela, com os ouvidos atentos para seguirem o ritmo e os passos, quatro cegos: Damião, Jesuíno e os irmãos Lucas e Antônio Amador.

Eles seguiram Helena até a conclusão da prova de 2km por dentro do bairro da Torre. Helena trabalhava como voluntária no Instituto dos Cegos de João Pessoa, foi corredora de 100m, 200m e 400m rasos, além de competir no arremesso de peso e salto em distância. Naquele ano, decidiu levar quatro jovens que não enxergavam para participarem de uma corrida de rua.

“Cheguei cansada e com muitas dores nos pés, mas valeu a pena ao ver a alegria deles concluindo a prova”, disse a estudante de medicina que largou o sonho de ser médica para estudar educação física e, assim, se dedicar às pessoas com deficiência.

No ano seguinte, em maio de 1973, o Colégio Lyceu Paraibano realizou a primeira Corrida de Rua do Dia do Trabalho. Mas, dessa vez, Helena utilizou um cadarço de tênis para puxar os atletas, para que, assim, eles pudessem correr com mais rapidez, facilitando também o desenvolvimento deles durante a prova.

Foram mil metros apenas. No entanto, os primeiros passos do paradesporto paraibano começavam a surgir na base do improviso, da força de vontade e da sensibilidade de Helena Holanda.

— “Muito bem, meninos!”
— “Vamos pra cima!”
— “Gooooollll!”
— “Quem é essa mulher gritando?”, perguntava um torcedor na arquibancada, em um ginásio em Belo Horizonte.
— “Sei lá! Sempre que pode, ela está gritando!”, respondia o amigo dele.

Era Helena. Lá estava ela de novo. E, dessa vez, como técnica da equipe de futebol de cegos da Paraíba em 1974. Na época, a modalidade se chamava futebol de salão para portadores de deficiência visual; depois, futebol de 5. E mudou, novamente, para a nomenclatura atual.

Em Minas Gerais, ficaram em quarto lugar. Era a única técnica mulher nesse campeonato, comandando o time paraibano masculino.

“Eu gritava mesmo”, disse Helena soltando uma risada.

Helena Holanda nos dias de hoje (Foto: Arquivo Pessoal)

A equipe campeã foi a do Rio de Janeiro. São Paulo ficou em segundo. Minas Gerais em terceiro. Já a Paraíba conquistou uma heroica quarta colocação, que foi muito comemorada pela equipe.

Já são pouco mais de 50 anos de história do nosso paradesporto. E, se hoje, temos tantas medalhas em mundiais e paralimpíadas, é porque alguém começou essa história, que é longa e com personagens importantes, como Helena Holanda e Jailton Miranda, que, em 1978, recebeu o convite para se tornar estagiário de Helena Holanda no Instituto dos Cegos de João Pessoa e se tornou atleta, técnico e um dos maiores incentivadores do paradesporto paraibano até os dias de hoje.

Mas, essa essa história, eu conto na próxima publicação.

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