João Trindade é cronista esportivo, com larga experiência. Foi auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Paraíba.
Imaginem vocês uma criança que não pode jogar bola, porque a mãe proíbe. Coitada de minha mãe; não a culpo por isso. Viúva muito jovem, apegava-se ao filho mais novo, um dos poucos que vivia com ela em casa, e usava da superproteção.
Pelo fato de minha mãe me proibir de jogar, era uma luta para praticar as peladas do Campo do Óleo. Era preciso esperar um descuido dela, para… Záz! Escapulir. O pior momento era o de chegar a casa; inventar mil desculpas; esconder o suor e o cabelo assanhado.
Para acabar de acertar, minha mãe odiava que eu jogasse de goleiro. Avisava: “No colégio, se o professor de Educação física inventar jogo, não jogue de goleiro”. “Mas por que, mamãe?” “Vem uma bola, bate no seu olho e você cega. Tudo, menos jogar de goleiro”.
O pior é que eu adorava jogar de goleiro. Adorava ser comparado a meus ídolos, Celimarcos e Menininho; ambos, goleiros do Esporte de Patos; o último, mais “parecido” comigo, porque, como eu, era baixinho.
— Já viu goleiro baixinho!?
— Já; e Menininho?
Um dia, dei uma lição em quem achava que goleiro baixinho não prestava. Numa disputa para ver quem seria o titular do time de handebol do Estadual de Patos, Bastinho, o técnico e introdutor desse esporte na cidade, me escolheu para titular. E isso após um grande embate como Jônathas (Biriba), que parecia com Zé Pereira, goleiro do Nacional. Após muitos treinos, Bastinho me escolheu, e eu dei o maior show, numa memorável tarde de torneio, na quadra do Estadual, quando Patos conheceu o handebol.
Meu sonho de handebol se acabou quando meu irmão Francisco dedurou que eu não ia ao Estadual cinco da manhã para fazer física, mas sim, para jogar handebol.
Era verdade. Enganei minha mãe, para poder treinar. Não poderia dizer que era treino de handebol, porque ela não me deixaria ir. Inventei a desculpa de Educação física e, dia sim, dia não, saía para treinar na “escolinha” de Bastinho.
Mas e a bola perfumada?
Explico-lhe, leitor apressado.
Toda a Peregrino de Araújo zombava porque eu não saía de casa e, principalmente, porque não jogava bola com meus colegas. O motivo o leitor já sabe. A coisa chegou a tal ponto, que inventaram uma rifa, comandada por meu tio Jones, em que, depois eu soube, forjaram uma sorte para mim e eu “tirei” a rifa.
Foi uma verdadeira festa, na Peregrino de Araújo.
— E aí, João! Ganhou a bola hein? Quando é que a vamos jogar com ela?
Era a pergunta que eu fazia à minha mãe. “Quando vou jogar com meus colegas?” “Quem mandou você ganhar bola em sorteio? Joga não. Principalmente, porque soube que você está jogando de goleiro”.
Toda a Peregrino de Araújo passou a zonar comigo. Um dos colegas espalhou a “notícia” de que eu, toda noite, colocava perfume na bola e dormia abraçado com ela; não jogava para não gastar. No dia seguinte, a pergunta era, onde quer que eu estivesse:
— E aí, João? Cadê a bola perfumada? Não adiantou de nada a gente fazer a rifa.
A minha raiva era dupla. Raiva da mutreta na rifa (sempre detestei engodo) e da atitude
de minha mãe.
Desisti de brincar de bola. Principalmente porque, num dia em que jogava na Peregrino de Araújo, um colega acertou um “tuba” no meu olho direito. O leito da rua estava encharcado, e a mistura de lama, terra e água me fez passar três dias sem poder enxergar direito.